quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Nem Ordem,Nem Progresso



Retrato do Brasil

<ensaios narrativos>

Dias desses resolvi ir às compras. Era sábado, o sol estava radiante. Enchi-me de protetor solar, calcei um tênis confortável e resolvi caminhar. Próximo ao centro da cidade, notei uma agitação não comum aos sábados. Eram 9h30 da manhã. De longe ouvi algumas buzinas e fogos que estouravam no céu de brigadeiro. Dobrei a esquina de acesso a principal rua do centro e dei de cara com aquilo que seria o óbvio para uma manhã de sábado, pós-pagamento, vésperas de eleição. Era uma carreata, misturada a uma passeada. É isso mesmo. As calçadas estavam tomadas por pessoas que seguiam o candidato a uma vaga à Prefeitura. De longe pude ver aquele "mar" de bandeiras e uma fila, quase indiana, de adeptos a campanha. Na mesma rua, carros, motos, vans enfileirados sacudiam as bandeirolas. À frente, um carro de som sacode o público que pára, para dar aquela olhadela, alguns acenam, outros aplaudem, fazem sinal de vitória. Apáticos a determinado candidato, há os que demonstram indiferença. O jingle contagiava adultos e até as crianças, poucas entendidas do assunto. Regado à queima de fogos, o candidato desce do carro que o leva, e caminha no corpo-a-corpo, apertando as mais diversificadas mãos. Bêbados, prostitutas, empresários, idosos, moradores de rua, trabalhador, desempregado, estudante, ex-presidiário. Não há distinção de raça, cor, credo, opção sexual nem tão pouco de posição social. O importante, o mais que importante, é conquistar a simpatia do eleitor. O objetivo é o voto. Eu acompanho o movimento. Sem pressa, passo a passo observo que ali ninguém está triste, os problemas desaparecem. Tudo é alegria, é festa. Ó meu Deus! Como o mundo é maravilhoso! Todos sorriam, se abraçam..Não falta nada. Aqui é o paraíso.
Calma, pensei! Por pouco eu não me envolvo com aquela cena contagiante. Ufa! Agora que o barulho está mais distante é hora de voltar à realidade e ir às compras. E nas compras a triste realidade. Inflação, aumento dos alimentos, juros altos, cheque especial, taxas abusivas do cartão de crédito. Ta bom. É melhor eu voltar para casa. Mas resolvi novamente caminhar,afinal o transporte coletivo na cidade que moro, é uma calamidade. A única empresa de ônibus abusa dos usuários. A verdade é que nos últimos 20 anos ela vem bancando a campanha de alguns candidatos. O famoso "rabo" preso. Sabe que pensando nisso lembro que a saúde também vai mal. Os únicos dois hospitais da cidade ficam no jogo de empurra-empurra. Longe de mim, ficar doente por aqui. Faltam médicos, remédios, exames, falta o básico. A educação, que pena. está mal também, assim como a cultura e o esporte. Faltam investimentos. Não, eu não sou pessimista! A verdade é que o Brasil tem potencial, o que falta é honestidade à maioria dos que comandam nossa Pátria Amada Idolatrada. Salve. Salve! meus caros. Só na minha cidade a arrecadação é de 1 bilhão e 700 milhões de reais. O orçamento é de 200 milhões. Mas então por que os governos Estadual e Federal não me devolvem tal valor em benefícios.
Pesquisa recente mostrou que o Congresso Nacional Brasileiro gasta-se por minuto R$ 11,545,04 , com os 513 deputados e 81 senadores. Dinheiro que sai dos cofres públicos. Eu disse por minuto.
Em outras palavras, a média do custo por parlamentar no Brasil é de R$ 10,2 milhões, enquanto nos países europeus mais o Canadá essa média é de R$ 2,4 milhões. Para se ter uma idéia, se o Brasil gastasse um valor compatível com o europeu e considerando o mesmo orçamento, o congresso deveria ter 2556 parlamentares.
Então vamos voltar à cena da carreata... Eu observei ainda que 100% das pessoas que trabalham, segurando as bandeiras para os candidatos são de classe média baixa, mal cuidadas, maltratadas pela vida, algumas desdentadas, queimadas do sol, com mãos calejadas, cansadas da luta. Sem emprego, sem formação profissional, estão fora do mercado de trabalho. Então se sujeitam a ficar 8 horas, ou mais, por dia segurando bandeiras, sob o sol de 30graus. Ganham por dia 15 reais e uma marmitex. Um dinheiro que, a essas pessoas, faz diferença, afinal são 75 reais na semana, 300 por mês. Não há benefício trabalhista, é serviço temporário. Acabou a campanha, foi-se o emprego.
Pois bem, observando os diversos rostos, vi o reflexo da nossa política, o reflexo da mau política, da corrupção, do desvio de verba. A nossa história estampada nesses rostos.
Esse é o Brasil da má distribuição de renda, das injustiças sociais. É antagônico, é real. O governante tira do povo em forma de impostos e não devolve em forma de benefícios e/ou investimentos. A conseqüência disso está estampada na face de cada um desses brasileiros que carregam essas bandeiras. É como se o ladrão entrasse na sua casa, lhe roubasse a TV e os demais objetos. Em seguida ele contratasse você, por um salário baixo, para que você falasse bem dele, e por isso te pagaria bem menos do que o valor que lhe roubou. Sem opção você se sujeita a tal situação. É uma comparação simples, porém real. É uma bola de neve.
Pão e circo. Não eduquemos nosso povo, afinal quem irá se sujeitaria a ficar horas na rua balançando uma bandeira? Só mesmo os miseráveis, as vítimas desse País sem Ordem e nem Progresso.



Um comentário:

webjorsuperacao disse...

Luci, vc aproveitou bem a experiência narrativa, pois a partir de um passeio fez uma análise nua e crua do cotidiano eleitoral, que está associada à administração que estes mesmo personagens promovem depois que se inserem.
Vc não só descreveu, como refletiu e trouxe à baila o que vc pensa e vê, caracterizando uma crônica.
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@_@♫
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