quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Preconceito versus Experiência

A violência está presente na vida de todos, mas se apresenta para cada indivíduo de uma forma.
Aquele seria o último dia possível para fazer a visita a biblioteca que faltava, e finalizar as pesquisas de campo. Michele, estudante de jornalismo de 23 anos, acordou cedo, olhou pela janela a bela e ensolarada manhã de sábado e sorriu. Apesar de não pretender seguir a carreira jornalística, sentiu um arrepio percorrer seu corpo, essas pesquisas estavam deixando-a empolgada.
Sentou-se em frente ao computador, conectou a Internet e buscou em um site o mapa que a guiaria até o local. Não foi possível encontrar o endereço antes mencionado.
- Acho que terei problemas – pensou a futura jornalista.
Foi até o banheiro e tomou um delicioso banho. Momentos como esse eram luxos permitidos no fim de semana, quando o trabalho e a faculdade não estavam ocupando a maior, ou toda, parte do seu dia.
Colocou um jeans e uma camiseta branca, se olhou no espelho, e achou a melhor opção para visitar uma biblioteca em uma comunidade carente de Mogi das Cruzes.
Decidiu ir sem o mapa. Chegaria até o bairro, que já tinha se informado onde era, e lá pediria informações para os moradores, com certeza que eles saberiam onde se localizava a biblioteca.
Entrou no carro, colocou os óculos escuros, abriu os vidros, e deixou o vento bagunçar os seus cabelos. O vento trazia sensação de liberdade para a menina que passava a semana no ar condicionado do escritório. O dia estava lindo, e ela imaginou que seria ótimo se estivesse a caminho da praia.
Michele resolveu passar na casa de seu namorado, afinal de contas ele seria ótima companhia para aquela missão. Pietro não demorou a entrar no carro, e logo eles já estavam no bairro. Mas ao contrário do que Michele tinha imaginado ninguém conseguia indicar a direção correta para chegar à biblioteca. Diziam suba a rua, depois desça. Vire à direita, contorne e pegue a esquerda, enfim, parecia que a tal biblioteca antes vista na Internet não pertencia realmente àquela comunidade. Porém a determinação dentro da cabeça da jornalista não a deixava voltar. Aquela era sua única oportunidade e ela não a deixaria escapar facilmente.
Depois de 40 minutos rodando pelo bairro e de várias indicações de caminhos, algumas corretas outras totalmente contrárias, o casal conseguiu encontrar o local. A biblioteca vista de fora era simples, mas parecia ser muito bem cuidada. Era o último imóvel de uma rua sem saída, ao lado, um precipício parecia indicar que o lugar era a fronteira com o fim do mundo.
Ao descer do carro a garota pode verificar que a biblioteca estava fechada, e não havia ninguém por perto que pudesse lhe dar alguma informação. Foi de repente que se aproximou um rapaz. Samuel era um moço de estatura média, pele morena clara, e aparentava ter no máximo 20 anos. Apesar da simpatia, ele tinha um olhar que parecia perdido e era totalmente gago. Assim que ele chegou, Pietro saltou do carro estendendo a mão para cumprimentá-lo, e logo que o moço viu a câmera fotográfica na mão de Michele, questionou:
- Vocês são repórteres?
- Somos estudantes de jornalismo, e queríamos saber quem cuida da biblioteca – emendou Pietro.
- Ah, essa biblioteca? Ela só tem livros, nem um radinho para ouvir música tem.
A moça pensou que realmente essa não era a finalidade de uma biblioteca, nem ali, nem em qualquer lugar do mundo, mas não deixava de ser uma maneira para estreitar a relação comunidade e biblioteca. Às vezes assusta se aproximar de algo que não tem nada a ver com a gente, ou com o nosso cotidiano.
Samuel começou a contar sobre quem era a coordenadora, onde morava, os horários que estava por ali. Porém tudo isso sem parar de olhar para a câmera e a bolsa da moça que estava no banco do carro. Foi do nada que ele disse:
- Vocês não têm um rádio para me dar? Sabe como é, sou pedreiro em São Paulo, e todos os dias vou pensando bobeiras dentro do trem. Um radinho para ouvir meus reggaes me ajudaria muito.
O casal se olhou, e o pensamento dos dois se encontrou ao perceber que a conversa tomava um rumo estranho. Samuel não parava de insistir para Michele subir o morro ao lado da biblioteca, para encontrar a casa da Dona Conceição, a tal coordenadora do local. Ela ficava dividida entre a única chance que estava tendo, e o medo de perder sua segurança. Começou a subir o morro, mas ao olhar para trás e ver o olhar do menino para seu namorado, ouviu Pietro gritar:
- Mi, vamos até a casa do Zé aqui ao lado. Vamos voltar com ele.
A menina desceu o morro quase rolando de nervosa e pulou para dentro do carro. Samuel que olhava a tudo com seu olhar perdido, só teve tempo de ouvir Pietro prometer:
- Samuel, obrigada pelas informações, quando voltarmos traremos seu rádio.
O carro saiu acelerando e a adrenalina tomou conta dos dois corpos. Onde estavam com a cabeça? Que loucura estavam fazendo? Será que Samuel pretendia fazer algo contra eles, ou era só mais um carente, filho de uma sociedade cheia de injustiças?
A adrenalina foi baixando, e a cabeça da futura jornalista trabalhava a todo vapor. Teria feito o correto? Seria mais uma preconceituosa? Sua profissão não permitiria uma postura como aquela. Fugir de uma possível fonte, que absurdo. O que aconteceria se aquilo fosse realmente parte de sua profissão, e ela voltasse à redação de mãos abanando?
A experiência não rendeu a tão querida reportagem, mas garantiu vivência. Aquilo mostrou que algumas coisas, alguns sentimentos e pré-conceitos estão tão intrínsecos em nossa mente, que algumas situações são normais para alguns, e dificílimas para outros. As dificuldades são diferentes conforme os cenários, e essa é uma situação que o jornalista tem que encarar dia após dia.
Cortando os pensamentos da moça, seu namorado perguntou:
- Você acha que devemos comprar o rádio?


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